Educação Aberta como fio condutor no enfrentamento aos desafios do mundo moderno

Atualmente a sociedade enfrenta efeitos devastadores de crises climáticas, de problemas geopolíticos históricos, de polarizações de ideias, entre outros. Considerando a severidade de tais questões, Phil Lambert (consultor especialista em currículos escolares e em políticas de educação na Austrália) afirma que a formação de cidadãos globais coopera com a resolução de problemas de escalas mundiais. Segundo ele, esse é um fator diferencial para desenvolvimento das nações e envolve a formação de cidadãos que, para além das atuais diretrizes curriculares, tenham pensamento crítico, sejam inovadores, criativos, colaborativos.

Dadas as reflexões de Phil e considerando a atual era de hiper conexão, de ofertas de serviços e produtos avançados (envolvendo uso massivo de dados e a inteligência artificial), podemos avaliar que a Educação Aberta é um movimento fundamental para lidar com os desafios mundo moderno e com a formação de pessoas colaborativas, uma vez que busca fortalecer uma cultura participativa e que propõe práticas de colaboração, descoberta e produção de conhecimento de forma conjunta. Faz isso através de práticas como estimular estudantes e educadores a criarem materiais de ensino e pesquisa com licenças abertas, possibilitando o acesso, a utilização, a adaptação e a redistribuição por terceiros, fortalecendo a democratização ao conhecimento, conforme relata Sarita Albagli no artigo “Ciência Aberta: correntes interpretativas e tipos de ação”.

É importante lembrar que defender práticas colaborativas não é uma corrente recentemente difundida: o compartilhamento de conhecimento foi a própria força motriz para evolução ao longo de toda a história da humanidade, conforme sinaliza Benedetta Calonacci, bibliotecária na Università di Firenze, Itália, conforme artigo “Sharing knowledge”. Um exemplo da força da colaboração é o Github, plataforma que permite o compartilhamento aberto de códigos-fontes (conjuntos de instruções em linguagem de programação para permitir o funcionamento de aplicativos, computadores, programas), fomentando participação de desenvolvedores do mundo inteiro e fazendo uso da inteligência coletiva para difundir sistemas que podem ser melhorados e reutilizados por diversas pessoas.

Fazendo um recorte, percebemos, entretanto, que o acesso ao conhecimento no Brasil partiu de um modelo colonial que limitou o acesso e ao longo do tempo perpetuou desigualdades. As escolas jesuítas, por exemplo, marcaram o início da educação formal no Brasil, mas eram focadas no ensino às classes dominantes. Em meio as reformas educacionais e às políticas para democratização, podemos destacar que Paulo Freire defendeu que a educação “desvestida da roupagem alienada e alienante, seja uma força de mudança e de libertação”. Freire avaliava a Educação como um processo humanizante com potencial de transformação da pessoa e da sociedade.

Acredito profundamente nesse poder transformador da educação. Cresci em uma região periférica do Distrito Federal com limitadas perspectivas futuras. Com pais que não tiveram oportunidade de cursar a educação básica, mas que dedicaram suas existências para que suas filhas tivessem acesso ao ensino superior, vi nossas jornadas mudarem a partir de políticas de democratização, as quais nos proporcionaram oportunidades de desenvolvimento pessoal e profissional, mas principalmente nos acenderam o desejo de ir além: construir futuros outrora inimagináveis.

A democratização do acesso ao conhecimento e da atuação em rede para soluções globais encara muitos desafios. Por exemplo, avaliando os interesses econômicos de grandes corporações, vemos que dados, informações, recursos educacionais e produção científica são alvo de sistemas proprietários (que exercem domínio e controle do conhecimento para manter lucro de grandes corporações que podem construir uma nova era de colonialismo, agora, digital). Nesta conjuntura, podemos encontrar na Educação Aberta um caminho alternativo ao domínio de informações e para estimular a “força de mudança e de libertação” que Freire cita.

Em prol da democratização e do amplo acesso da sociedade ao conhecimento, podemos citar como exemplo o Portal eduCAPES, que é uma solução baseada em alguns dos conceitos da Educação Aberta. Trata-se de um ambiente online (repositório) para divulgar materiais educacionais (muitos abertos) produzidos no âmbito da Universidade Aberta do Brasil (UAB). Ele reúne milhares de objetos de aprendizagem abertos, como textos, vídeos e artigos, voltados a estudantes e professores de todos os níveis. Utiliza a tecnologia DSpace (software livre), com suporte a metadados e sincronização com repositórios parceiros, permitindo acesso e atualização automatizada dos conteúdos. Mais do que difundir ambientes, como o eduCAPES, é imprescindível conscientizar a sociedade sobre as práticas e tecnologias ancoradas na Educação Aberta, de modo a democratizar o acesso ao conhecimento, facilitar a atuação em rede e apoiar a formação de cidadãos críticos e colaborativos, capazes de atuar na resolução de problemas complexos e globais.

Neste sentido, é fundamental estimular o desenvolvimento de competências para a criação e o uso responsável de tecnologias, além de promover arranjos e articulações entre os diversos setores da sociedade, visando ampliar os investimentos em Educação Aberta. Desta forma, promover ambientes, ferramentas, conteúdos e objetos, mais acessíveis, reutilizáveis e compartilháveis pode fortalecer a democratização do conhecimento e contribuir na a superação dos desafios emergentes, sendo um compromisso que deveria ser assumido por cada um de nós.

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