Ecossistemas livres de educação

Vivemos uma era marcada pelo acesso quase instantâneo à informação. Ainda assim, nem todos conseguem usufruir plenamente das oportunidades oferecidas pelo conhecimento digital. Nesse contexto, emergem duas propostas poderosas e transformadoras: a educação aberta e o software livre. Embora sejam conceitos diferentes, ambos compartilham um mesmo valor essencial — a liberdade de aprender, criar, modificar e compartilhar.

A educação aberta vai além do acesso gratuito a materiais de estudo. Ela defende uma abordagem inclusiva e colaborativa da aprendizagem, em que qualquer pessoa, independentemente de sua localização ou condição social, possa ter acesso a conteúdos, ferramentas e experiências de ensino de forma livre e participativa. Por sua vez, o software livre refere-se a programas de computador cujo código-fonte está disponível para que qualquer pessoa possa usá-lo, estudá-lo, modificá-lo e distribuí-lo. Essa liberdade não é apenas técnica: é um reflexo de um ideal de autonomia e partilha.

Por que isso é importante? Porque o conhecimento não deveria ser um privilégio. A educação aberta e o software livre são ferramentas de emancipação social, sobretudo em contextos de vulnerabilidade, como a realidade das escolas públicas brasileiras. Elas criam espaços onde alunos, professores e comunidades podem se tornar produtores e reprodutores do saber, em vez de apenas consumidores passivos de conteúdos impostos.

A origem do software livre remonta às décadas de 1970 e 1980, quando pesquisadores como Richard Stallman passaram a questionar as restrições impostas por grandes empresas de tecnologia ao uso de programas de computador. Em 1985, Stallman criou a Free Software Foundation e lançou os fundamentos éticos e técnicos do movimento. A ideia era simples e revolucionária: software deve ser uma ferramenta de liberdade, não de controle.

Ao longo do tempo, projetos como o Linux, o navegador Mozilla Firefox , a suíte de escritório LibreOffice, o repositório científico arXiv e plataformas como o Moodle (voltado à educação) tornaram-se ícones dessa filosofia. Não apenas por funcionarem bem, mas por promoverem o acesso aberto ao conhecimento, a ciência e a colaboração global.

Na esfera educacional, o movimento da Educação Aberta ganhou força com a disseminação dos Recursos Educacionais Abertos e com o surgimento dos MOOCs (Massive Open Online Courses), a partir de meados dos anos 2000. Infelizmente, muitas escolas públicas ainda estão distantes dessa realidade. A falta de infraestrutura, de conectividade e de formação docente impede que o software livre e a educação aberta cheguem a quem mais precisa. Mas onde houve oportunidade, houve transformação.

Em várias cidades brasileiras, como exemplo Vitória (ES), escolas municipais passaram a adotar o Linux Educacional e outras soluções livres, reduzindo custos e desenvolvendo novas formas de protagonismo pedagógico.

Como professor da rede pública de ensino, tive a oportunidade de lecionar em duas unidades federativas diferentes. O que posso dizer dessas duas realidades é que a Educação aberta e o acesso a Software livre no ambiente escolar público é deficitário. Falar desses temas que estão interligados nos leva a refletir sobre o acesso a democratização do conhecimento por parte dos docentes e estudantes.

O primeiro momento que tivemos acesso a um software como parte de uma didática a ser utilizada no ensino foi durante a pandemia da COVID-19. Na escola no qual trabalhávamos, muitos docentes sentiram dificuldades no acesso e na manutenção das aulas, pois ao realizar o planejamento e colocá-lo em prática, o uso do Moodle exigia conhecimentos específicos e didáticos para tornar as aulas mais atraentes para nossos alunos. Nos sentimos obrigados pelo estado regido por leis de promoção a lidar com algo novo, o desconhecido: planejar, pesquisar e aprender num espaço mínimo de tempo e sem qualificação a manusear tecnologias em nossas práticas pedagógicas.

A maneira encontrada pelo grupo de professores foi o apoio aos que sentiam mais dificuldades, compartilhamento e construção conjunta das atividades deixando que cada um contribuísse no que tinha mais habilidade. Alguns criavam vídeos, outros editavam textos, outros contavam históricas e ainda outros procuravam atividades; passamos meses assim, até o retorno à modalidade presencial.

Os maiores desafios encontrados pelo grupo foram: a falta de infraestrutura (nem todos professores dispunham de computadores ou celulares que dessem conta da demanda), a própria formação de professores (os recém-formados com mais acesso a tecnologias sentiram-se mais a vontade com a nova realidade), a desigualdade social (muitos dos nossos alunos não tiveram acesso as aulas por não dispor de equipamentos e nem acesso a banda larga/ internet) e por fim, a falta de gestão e financiamento por parte do governo/estado.

Diante desse relato da realidade vivida por muitos docentes durante a pandemia, ficam os seguintes questionamentos: Será que estamos prontos para passar novamente por um período pandêmico em que seja exigido o ensino por meios tecnológicos? O governo/estado tem investido maciçamente na formação de professores para que tenham entendimento e acesso aos meios tecnológicos no seu ambiente de trabalho? Nossos estudantes estão tendo acesso a Educação aberta de maneira a facilitar o conhecimento, democratizando o ensino? E se tivéssemos acesso e conhecimento sobre diversos softwares livres, como isso impactaria na nossa prática pedagógica?

E se pensássemos a educação pública como um ecossistema livre? E se o software livre fosse a base das plataformas de ensino, dos sistemas administrativos, dos recursos didáticos e das redes de colaboração entre escolas? O que mudaria se professores e alunos pudessem adaptar ferramentas conforme suas realidades locais? Imaginemos se o conhecimento produzido em uma escola no interior do país pudesse ser livremente compartilhado com outra, em qualquer canto do mundo…

A interseção entre educação aberta e software livre aponta para um futuro em que o conhecimento não é monopólio, mas bem comum. Onde a ciência é colaborativa, transparente, acessível. Em que o aprendizado é contínuo, comunitário e significativo. Mas para isso acontecer, é preciso mais do que tecnologia: é preciso vontade política, compromisso social e escuta ativa das vozes historicamente silenciadas.

A pergunta que fica é: estamos preparados para abrir mão do controle em nome da liberdade? Estamos dispostos a construir, juntos, uma cultura de partilha em um mundo acostumado com muros, senhas e licenças restritivas? O software livre e a educação aberta estão aí — não como soluções prontas, mas como convites a repensar a própria ideia de ensino, ciência e sociedade.