
Imagem gerada no ChatGPT por prompt de Filipe Souza.
Entre inteligência artificial e autoria: como ficam os direitos e os caminhos da educação?
O uso de inteligência artificial está ganhando espaço na educação de forma cada vez mais rápida. Ferramentas que geram textos, criam imagens, resumem conteúdos e até montam planos de aula já fazem parte do cotidiano de muitos professores e estudantes. Mas junto com essas facilidades, surgem dúvidas importantes. Afinal, quem é o verdadeiro autor de algo criado com ajuda da inteligência artificial?
Essa pergunta não é apenas teórica. Ela mexe diretamente com questões legais, éticas e educacionais. E mais do que isso, nos obriga a repensar o modo como criamos, compartilhamos e usamos o conhecimento.
Quando a autoria não é mais tão simples
Antigamente era fácil saber quem era o autor de um texto, de uma imagem ou de uma aula. Hoje, com a IA ajudando a montar roteiros, escrever trechos e até corrigir atividades, esse limite fica borrado. Um professor que usa uma IA para preparar seu material ainda é o único autor? E quando um aluno entrega um trabalho feito com apoio de um sistema automático?
A principal legislação brasileira sobre o tema é a Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, conhecida como Lei de Direitos Autorais. Ela foi criada antes do surgimento da inteligência artificial como ferramenta de criação e não contempla situações em que obras são produzidas total ou parcialmente por máquinas. Por isso, conteúdos gerados com auxílio da IA ainda não têm um enquadramento jurídico claro no Brasil. Isso faz com que obras geradas com ajuda da IA fiquem em uma espécie de zona cinzenta. São úteis, são reais, mas não têm uma posição clara do ponto de vista jurídico.
Um caso recente chamou atenção em julho de 2023, quando escritores americanos como Paul Tremblay e Mona Awad processaram a OpenAI por utilizar seus livros sem autorização no treinamento do ChatGPT. A ação coletiva aponta que a IA consegue responder com detalhes específicos sobre obras protegidas por direitos autorais, o que pode configurar violação. Esse episódio levanta uma questão sensível para o uso educacional de ferramentas baseadas em IA: como garantir que o conteúdo gerado respeita os direitos dos autores? (O Globo, 2023)
Essa incerteza legal é bem explicada no vídeo “Inteligência Artificial e Direitos Autorais: o que você precisa saber”, do canal Meteoro Brasil. O conteúdo destaca que, hoje, a IA não pode ser considerada autora de uma obra. Apenas seres humanos podem deter esse direito. O problema é que muitas ferramentas de IA são treinadas com dados protegidos por copyright, o que gera riscos de violação indireta de direitos autorais. Isso afeta diretamente educadores e estudantes que usam essas ferramentas sem saber a origem dos conteúdos gerados.
Inteligência Artificial e Direitos Autorais – Youtube – Canal Meteoro Brasil.
O vídeo reforça a importância de usar a inteligência artificial com consciência, especialmente em contextos educacionais. Para professores e instituições, isso significa compreender não só as vantagens da IA, mas também seus limites legais e éticos.
Por que as licenças livres ganham força nesse cenário
Diante de tantas incertezas, uma solução que tem se mostrado prática e coerente é o uso de licenças abertas. Quando um autor decide publicar seu conteúdo com uma licença livre, como as do tipo Creative Commons, ele permite que outras pessoas possam usar, adaptar e até remixar sua criação. Tudo isso dentro de condições bem definidas.
Essas licenças são especialmente úteis na educação. Elas facilitam a criação dos chamados Recursos Educacionais Abertos, que são materiais que qualquer pessoa pode acessar, adaptar e compartilhar. Tudo com liberdade e responsabilidade. Combinadas com as ferramentas de IA, essas licenças ajudam educadores a criar conteúdos novos de forma mais rápida e segura, sem abrir mão de valores como transparência e respeito à autoria.
O professor como curador de conhecimento
Com tantas informações disponíveis, o papel do educador vai além de ensinar. Ele precisa também saber filtrar, avaliar e adaptar os materiais que usa em sala. Nesse processo, a inteligência artificial pode ajudar bastante, mas não substitui a experiência nem o olhar crítico do professor.
Esse mesmo cuidado deve ser incentivado nos estudantes. Em vez de apenas consumir conteúdo gerado por máquinas, é importante que eles aprendam a questionar, verificar fontes e compreender os limites do uso de materiais protegidos por direitos autorais.
Na prática, atuar como curador significa usar a inteligência artificial como ponto de partida, e não como produto final. Um professor pode, por exemplo, revisar os materiais gerados por IA antes de aplicá-los em sala, corrigindo imprecisões e ajustando a linguagem para o contexto da turma. Pode combinar trechos de conteúdo automatizado com textos clássicos da área, criando conexões entre o novo e o tradicional. Também pode adaptar exercícios prontos, tornando-os mais inclusivos ou mais desafiadores, conforme o perfil dos alunos. Essa curadoria ativa transforma o professor em alguém que orienta o uso da tecnologia com responsabilidade e intencionalidade.
O que precisamos repensar
A presença da inteligência artificial na educação é uma realidade que só tende a crescer. Mas para que isso aconteça de forma justa e ética, precisamos discutir algumas mudanças. Atualizar a legislação, formar professores sobre o uso responsável dessas tecnologias e ampliar o acesso a recursos educacionais abertos são passos importantes.
A tecnologia tem muito a oferecer. Ela pode economizar tempo, facilitar a criação de materiais e tornar a aprendizagem mais dinâmica. Mas o cuidado com a autoria, o respeito aos direitos e a construção de uma cultura digital consciente continuam sendo fundamentais.
Aceitar essa presença não significa automatizar tudo sem critério. É justamente agora que precisamos fazer as perguntas certas. Não basta saber o que a IA pode fazer. É preciso saber o que ainda escolhemos fazer como humanos. Porque criar, ensinar e aprender envolvem escolhas. Envolver-se com o conteúdo, entender o contexto, pensar nas pessoas que vão receber aquilo. E isso nenhuma máquina faz por nós.
Se continuarmos delegando tudo à tecnologia, talvez não faltem respostas, mas com certeza vão faltar perguntas. E é justamente aí que mora o papel da educação: não repetir o que já está pronto, mas provocar o que ainda precisa ser pensado.
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