A Inovação na Era Digital: É Possível Criar Sem Hipertextos, Reuso ou Remix?


A inovação é frequentemente concebida como um ato de criação original, marcado pela ruptura com o existente. No entanto, no contexto da cultura digital e da informação, essa visão tem sido progressivamente desafiada. Elementos como o hipertexto, o reuso de materiais e o remix têm se tornado não apenas comuns, mas estruturais nas práticas de criação contemporâneas. Dessa maneira, é possível inovar sem recorrer a essas práticas?

O conceito de hipertexto representa uma forma não-linear de organização da informação, que permite conexões entre diferentes blocos de conteúdo. No ambiente digital, essa estrutura favorece uma navegação dinâmica e múltiplas interpretações, conforme discutido por Pierre Lévy (2014).

Mesmo fora do digital, a construção do conhecimento quase sempre se dá de maneira intertextual — um autor dialoga com outros autores, ideias, narrativas e tradições. Assim, a inovação se apoia em uma rede pré-existente de significados, reafirmando a tese de que a criação autônoma e isolada é, na prática, rara ou inexistente.

O reuso e o remix não são meras repetições, mas formas de apropriação e ressignificação. Como defende Lawrence Lessig (2010), a cultura do remix é essencial para a criatividade contemporânea, sobretudo em contextos como o da música, do cinema, das artes visuais e da programação.

Na prática, o reuso permite inovação incremental e adaptações locais de soluções globais. O remix, por sua vez, cria obras a partir da recombinação de elementos existentes. Segundo Manovich (2001), vivemos uma era em que a cultura se torna “software”, moldada por peças reutilizáveis.

A ideia de uma inovação “pura” ignora a natureza cumulativa do conhecimento. Como já indicava T.S. Eliot: “os poetas imaturos imitam; os poetas maduros roubam”. Este aforismo, embora provocativo, destaca que o gênio criativo não reside apenas na geração de algo do nada, mas na habilidade de transformar o já existente em algo novo e relevante.

Mesmo em áreas consideradas altamente inovadoras, como a tecnologia ou as ciências, os grandes avanços decorrem da combinação ou aprimoramento de ideias anteriores. No entanto, mesmo nesses casos, a inovação costuma surgir por observação, imitação e adaptação — formas rudimentares de reuso e remix.

Sendo assim, não há inovação completamente desvinculada de hipertextos, reuso ou remix. Esses elementos não são apenas suportes da criatividade; são parte intrínseca do processo inovador. O reconhecimento da natureza intertextual e colaborativa da inovação é essencial para compreender as dinâmicas culturais e tecnológicas do século XXI.

O presente artigo tem origem nas inquietações suscitadas pela leitura do texto Construção Coletiva: Importância e Desafios, de autoria de Nainna Souto, discente da disciplina de mestrado Educação Aberta, ministrada pelo professor Tel Amiel, na Universidade de Brasília (UnB). As reflexões que fundamentam esta produção foram impulsionadas pelas discussões em torno dos conceitos de hipertexto, reuso e remix, conforme apresentados na obra mencionada. Nesse sentido, o recurso ao hipertexto revelou-se fundamental para o aprofundamento das problematizações iniciais, possibilitando uma abordagem mais crítica, dialógica e articulada com os princípios da educação aberta e colaborativa.