Construção coletiva: Importância e Desafios

“Se pude enxergar mais longe, foi porque me apoiei em ombros de gigantes”. A partir dessa citação de Isaac Newton, vamos explorar a importância de hipertexto, reuso e remix no avanço científico, cultural, tecnológico e social e no fomento à construção coletiva, assim como abordar alguns desafios. A própria citação é um exemplo de possível remix (inspirada no conceito de descobrir a verdade a partir das descobertas anteriores, atribuído a Bernardo de Chartres). A célebre frase de Newton nos provoca a refletir que, em geral, grandes avanços são ancorados em um conjunto de criações preexistentes.

Neste sentido, hipertexto, reuso e remix são conceitos amplamente praticados na era de cultura digital (marcada por um conjunto de valores, práticas, modos de pensar e interagir que são apoiados por tecnologias digitais popularizadas com o uso intensivo da internet). Cabe, entretanto, lembrar que essas práticas foram presentes em toda a evolução da humanidade e que, certamente, impulsionaram o desenvolvimento científico por meio da inteligência coletiva, de modo que as tecnologias digitais ampliam o uso dessas práticas, mas a filosofia de que nada parte do zero e que tudo é criado a partir de um processo evolutivo precede todo o avanço tecnológico que vivemos.

O hipertexto (de forma simplória, um pequeno um texto que pode levar a uma conexão não linear de grandes informações), por exemplo, é amplamente usado em sites web hoje em dia, mas já existia de forma similar em enciclopédias, sumários, dicionários, em formato analógico. Agora, em um contexto digital, essa definição aumenta exponencialmente impacto e alcance, considerando as incontáveis possibilidades de navegação no ciberespaço e a quantidade de pessoas interconectadas.

Sir Isaac Newton. Mezzotint by J. Faber, junior after M. Rys, Wellcome Library, London. CC BY 4.0
Sir Isaac Newton caça-like, Nainna Oliveira, CC-0 
Newton Hiper Conectado, Gerado por IA. Nainna Oliveira, CC-0 

As imagens acima demonstram reuso (primeira imagem) e remix (segunda e terceira), representando a simplicidade de aplicação prática desses termos em um contexto apoiado por acesso a uma quantidade gigantesca de conteúdo e de popularização de diversas tecnologias como IA, por exemplo. Ao mesmo passo que remix e reuso impulsionam a criação coletiva e que, aparentemente são simples, também trazem profundos questionamentos sobre autoria, direitos e responsabilizações.

Essa problemática é levantada no livro 21 lições para o século XXI, no qual Yuval Harari reflete que os nossos arcabouços jurídicos e financeiros não acompanham a velocidade com a qual as transformações tecnológicas mudam radicalmente a sociedade. Assim, o direito autoral e as implicações de produção de conteúdos e obras com uso de IA, por exemplo, são desafios que devem ser considerados quando pensamos em hipertexto, reuso, remix e na construção de obras a partir de outras obras.

Em benefício dessa construção conjunta, o reuso permite reapropriação de conteúdos colocando-os em contextos diversificados sem modificação da obra original. Inicialmente, pode parecer um copiar e colar, mas a depender – de quem publica e de quem acessa, do contexto, do ecossistema inserido – a intenção e a interpretação podem ser diversificadas. Já o remix permite a transformação, unificando em algo novo, partes de algo que já existe, gerando uma obra que pode ser tradicional e vanguardista ao mesmo tempo.

O autor Italo Calvino nos leva a uma interessante reflexão na conjuntura apresentada em seu texto “O Castelo dos destinos cruzados“, posto que o enredo é construído permitindo uma narrativa interpretativa do leitor, porque as histórias são contadas a partir de cartas de tarô (os personagens não falam), as quais têm simbologias e significados ambíguos (também há lacunas no enredo, fazendo com que a imaginação individual de cada leitor se torna parte ativa.

De tal forma, a compreensão de mídias disponíveis no ciberespaço também se constrói e se interrelaciona de modo multilinear. Podemos traçar um paralelo: um livro – por exemplo – segue um roteiro exclusivamente criado por seu(s) autor(es), (exceto quando propositadamente o autor provoca a coautoria com o leitor, como ocorre no texto de Calvino). Na cultura digital, o roteiro e suas interpretações podem ser criados por cada usuário, uma vez que cada indivíduo – a partir de um encadeamento próprio de acessos via hipertexto – pode desencadear uma sequência distinta de informações e mídias e, a partir de suas própria percepções, pode gerar novos pensamentos e obras.

Cabe destacar que, embora seja interessante olhar pela perspectiva de que cada indivíduo tem protagonismo e autonomia nos arranjos para acesso e construção de suas criações (sejam objetivas ou subjetivas, seja de um produto concreto ou de pensamentos e ideias), sabemos na realidade o sujeito não está no controle, visto que diariamente somos bombardeados e induzidos, por meio de conteúdos impulsionados pelas plataformas, a seguir uma corrente de acesso a determinados conteúdos, de forma massiva.

Pensando no cenário atual em que entre artistas, estudantes, professores, pessoas, indústria, academia, estão globalmente conectados, percebemos o quanto a construção coletiva pode ser impulsionada por meio de TICs e de conceitos envolvendo reuso/remix. A construção de ideias e a produção de conteúdos partem de repertório imenso de informações, facilitando o acesso, a reprodução e a recriação de conteúdos, principalmente quando há um compromisso com a criação de conteúdos abertos. A crescente preocupação com a regulamentação de tecnologias, plataformas, IAs, também precisa ser amplamente debatida na sociedade, com o intuito de assegurar a autoria e os direitos sobre as obras, dado que há interesse comercial e lucros associados, que muitas vezes seguem um caminho de centralização por grandes monopólios, não havendo justa distribuição a quem de direito.

Em função de todas essas circunstâncias, veremos em um futuro breve a falência dos atuais sistemas frente à impossibilidade de lidar com o volume exponencial de situações paradoxais decorrentes – dentre outros motivos – da ampla combinação de reuso, remix, inovação; das questões que envolvem direito autoral e distribuição de lucros; do uso de inteligência artificial em larga escala, além das diversas tecnologias digitais mundialmente usadas. Cabe, entretanto, avaliar que diante do inevitável colapso social, jurídico, financeiro, surge também o espaço para nos reposicionarmos enquanto sociedade e construirmos um mundo novo, no qual modelos de negócio, arcabouços legais e tecnologias digitais fortaleçam a prática da construção e vantagem coletiva.

Uma resposta para “Construção coletiva: Importância e Desafios”

  1. […] presente artigo tem origem nas inquietações suscitadas pela leitura do texto “Construção Coletiva: Importância e Desafios“, de autoria de Nainna Souto, discente da disciplina de mestrado Educação Aberta, […]

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