Paula Cardoso
Se tem um assunto controverso entre brasileiros é o nosso próprio ‘jeitinho brasileiro’, tão utilizado para justificar nossa criatividade, até em meio às vulnerabilidades. Paralelo a isso também é utilizado um pouco, ou bastante, como escárnio quando queremos reprovar a atitude principalmente advinda de políticos. O jeitinho brasileiro está inserido na cultura brasileira e se aproxima cada vez mais da cultura digital.
A cultura digital trata dos comportamentos, valores e cultura dos indivíduos e sociedade ao fazerem uso das tecnologias. Por isso, hoje refletiremos sobre os conceitos e a interação da cultura brasileira com os elementos fundamentais da cultura digital: hipertexto, remix e reúso.
Esse jeitinho brasileiro é tantas vezes justificado com a célebre frase: ‘nada se cria, tudo se copia’.
Exemplo do jeitinho vem da década de 90, quando, um indivíduo (principalmente um homem) que conseguia contornar uma situação difícil já era apelidado de MacGyver, personagem que resolvia muitas situações utilizando seu canivete suíço para transformar objetos simples em soluções de problemas complexos. Esse exemplo se assemelha ao jeitinho brasileiro, que sempre encontra uma forma criativa de resolver dificuldades.
Então seria o brasileiro o maior ‘bricoleur’ ou remixador na cultura digital? Não sabemos, mas podemos apresentar algumas das criações brasileiras quando o assunto é remix. Vamos por partes e, para isso, é relevante compreender os conceitos sobre o hipertexto, o remix e o reúso.
Um exemplo de um projeto hipertextual é quando você tem a sua frente algo que pode ser visto, lido, assistido e escutado, o que acontece muito em blogs, ou sites de notícias em que links, dentro dos próprios textos, nos levam a outras páginas e assuntos ligados ao tema.

A exemplo de hipertexto temos o WikiFavelas , um site que se propõe contar a história das pessoas que vivem em favelas em formato de dicionário online. Em Verbete em Destaque, um dos links e pautas presentes no site WikiFalevas, traz alguma expressão utilizada ou que faz parte da vivência da comunidade e apresentam um elemento cultural criado com a expressão. Para ilustrar, a foto à esquerda, vemos que usaram a expressão ‘PAPO NA LAJE’, um programa com episódios sobre o protagonismo da juventude nas favelas, apresentado na própria TV comunitária e com todos os episódios disponíveis a um clique no próprio site WikiFavelas.
Agora quando falamos de remix, podemos chamar de remix brasileiro os exemplos que apresentarei nos próximos parágrafos. O remix brasileiro se dá em músicas, vídeos, na publicidade popular e se transforma até em meme alcançando grande parte da população, porque as grandes marcas também encontram no meme uma comunicação fácil e o adotam em suas próprias publicidades.
O remix é a reconstrução, unindo diversos elementos para construir novos significados. O vídeo abaixo utiliza a música Your Latest Trick, do Dire Straits, em uma versão Funk, se tornou o Funk do Sax. A gravação dos jovens dançando (para ser sincera, nem sei qual é a música original que estão dançando!) se tornou um exemplo de remix com a cultura brasileira.
Outro exemplo de remix bem conhecido e até adotado por outras empresas é nomeado ‘marketing brasileiro’. Ele reforça as nossas ideias sobre o jeitinho brasileiro de fazer as coisas, e ser a própria forma de remix dentro da cultura digital aqui no Brasil.
O marketing brasileiro utiliza um vídeo curto no qual acontece alguma ação, como alguém caindo de uma maca, e é feita uma transição de vídeo em que aparece o vendedor ou vendedora rolando no chão para dar continuidade à ação de queda apresentada inicialmente e na sequência anuncia-se a loja e os produtos.
Esses vídeos usam elementos advindos de redes sociais, como a transição, que é uma ação típica das trends no TikTok. Com esse exemplo, conseguimos perceber como as tecnologias alteram o caráter dos nossos símbolos e a natureza da comunidade e claro, a estrutura dos nossos interesses (Neil Postman).
Postman aponta benefícios e, com ênfase, malefícios no desenvolvimento tecnológico. No entanto, a maioria da população brasileira ainda tem, talvez, uma visão otimista como a de Pierre Levy. A visão de Levy está para a tecnologia como uma grande ferramenta para a educação e conhecimento. Sendo assim, o povo brasileiro ao visualizar uma tecnologia como ferramenta para criar, aprender e se divertir, consegue criar uma diversidade de coisas nesse espaço de imaginário e criação coletiva.
E ainda que a cultura digital pareça um espaço tão livre, a exemplo das criações brasileiras apresentadas, existem regras, leis e também os imperativos do capitalismo (utilizando do tema, vou deixar o hiperlink para que vocês acessem o texto da Claudinha sobre LGPD, Direitos autorais pra que esse debate se estenda para além desse espaço).
Mas, ao falarmos do jeitinho brasileiro, podemos entendê-lo como uma forma de apropriação: afinal, tudo que foi criado pode ser reutilizado. Mesmo quando a criatividade se manifesta recriando o que já existe — seja por meio da pirataria, da cópia ou do roubo —, é importante lembrar que o remix e o reuso já existiam muito antes da era digital.
Fico pensando que muita gente ainda não compreende bem essa questão dos direitos autorais e, se compreendessem de fato, talvez a criatividade fosse sufocada pelo medo. Também enxergo no remix como forma de rebeldia. Se o vídeo do funk foi um exemplo de remix, todo esse texto, além de ser um hipertexto, é também um jeitinho brasileiro de aprender escrevendo.
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