São 07h10, horário da primeira aula de educação física entre as oito que acontecerão naquela manhã para as turmas da 2º série do ensino médio. A conta no ensino médio é simples, já que são apenas três séries nesse segmento de ensino você precisa planejar apenas três aulas diferentes. As 2º séries estão compreendendo as ‘diferenças de gênero’ nos esportes coletivos, e a ideia da aula é colocar meninas para jogar esportes de invasão (basquetebol, futsal, handebol) contra os meninos; promover um ambiente de desconforto e reivindicações para uns e um ambiente de problemas e queixas a serem resolvidos para outros.
O debate é proposital. O contexto é perfeito para discussões, compartilhamento de ideias e promoção da equidade dentro da segunda parte da aula, que é trazer modalidades coletivas de invasão que permitem a disputa de equipes mistas, com meninos e meninas jogando juntos na mesma equipe. Se atente para o trecho “[…]a ideia da aula é […]”, porque sempre que entramos em uma aula, temos a ideia do que falaremos ou de quais atividades proporemos. Mas, o que de fato acontecerá depende das 30 pessoas que farão a aula, com diferentes experiências vividas tanto com os esportes coletivos de invasão quanto com o tema das diferenças de gênero em suas histórias de vida.

O professor precisa adequar práticas, estilos de ensino e didática para mediar esse processo: variar aqui não é uma virtude, e sim um requisito para que a aula aconteça.
Logo, nos deparamos com uma infinidade de possibilidades que surgirão de acordo com as informações cedidas pelos estudantes, seja essa ativa, verbal; ou seja passiva, por expressões corporais de desconforto ou tédio. Por fim, podemos chegar à conclusão de que você dará quatro aulas muito diferentes do que o esperado para as turmas de 2º série, e não apenas uma aula, um tema.
A experiência nos garante criar uma biblioteca de possibilidades já testadas e constatadas por êxito ou insucesso. Pode não parecer, mas, unir diferentes possibilidades sob o mesmo tema em quatro momentos distintos se aproxima muito de remixar uma música.
Em um primeiro momento, remixar pode estar aliado pelo senso comum ao ato de roubar, ou tomar algo de alguém e usar para benefício próprio. Porém, na época em que vivemos significa misturar conteúdos, reutilizar ideias e conectar informações, legitimando o compartilhamento como atividade essencial, algo que sempre aconteceu entre nós professores, especialmente os de educação física, quando nos encontramos e falamos das experiências que os alunos nos proporcionaram em quadra. Logo, cada plano de aula torna-se uma combinação original de ideias que circulam, ganhando novos significados e formas. É o que Paulo Freire em seu livro Pedagogia do Oprimido conceitua como práxis, “a reflexão e a ação dos homens sobre o mundo para transformá-lo”.

No entanto, em contraste ao remix realizado por diversos professores de educação física em seus planejamentos, também encontramos muitas reutilizações de planos de aula já elaborados.
Aqui cabe conceituar outra prática que talvez seja mais utilizada que o próprio remix, denominada reúso. Reutilizar algo significa a não alteração de seu sentido ou significado em um contexto diferente do que foi originalmente criado. Logo, utilizar uma atividade ou jogo ou exercício usado em outro planejamento sem que haja intencionalidade voltada para o objetivo da aula a ser construída, pode até dar certo em termos da atividade acontecer. Porém, seu sentido fica desconectado da nova realidade posta em uma daquelas aulas com a 2º série.
Isso não quer dizer que o reuso seja uma prática condenada pelo ponto de vista pedagógico, muito pelo contrário. Atualmente, existem diferentes tipos de repositórios abertos ou privados que fornecem diferentes propostas de acordo com os segmentos de ensino, idade, quantidade de alunos, etc. Tais repositórios que se mostram no formato de vídeos, podcasts, blogs ou sites, precisam ser compreendidos como bibliotecas de blocos culturais, prontos para serem modulados de acordo com o texto em que você, professor de educação física, está inserido.
Os jovens, principalmente do ensino médio, possuem (em grande parte) acesso a elevados níveis de autonomia digital, aspecto que muitas vezes não condiz com a formalidade do ensino regular dentro dos muros escolares.
A fluidez, a conectividade e a interatividade dos tempos atuais constroem realidade distante da aula estruturada, sequencial e disciplinar conhecida a muito tempo por nós. Nesse sentido, mediar a construção de múltiplas conexões diante do tema da aula torna-se alternativa que coloca o aluno no centro do processo de criação de suas experiências de aprendizagem. A responsabilidade passa a ser compartilhada entre professor e aluno, compreender novas maneiras de jogar esportes coletivos de invasão com meninas e meninos na mesma equipe pode ser uma oportunidade de remixar as experiências dos estudantes por meio da reutilização de recursos pedagógicos e fontes de informação que agucem a solução de problemas junto às experiências pedagógicas do professor, reconfigurando ou modulando assim, uma nova aula.
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