Distopia, no grego antigo, significa literalmente “lugar ruim”. O termo também se refere a um lugar, época ou Estado fictício em que se vive sob condições de opressão extrema, desespero e/ou privação. As distopias são geralmente caracterizadas por totalitarismos, autoritarismos ou por anarquias.
A definição do dicionário explica o termo distopia como qualquer representação ou descrição de uma organização social futura caracterizada por condições de vida insuportáveis, com o objetivo de criticar tendências da sociedade atual, ou parodiar utopias, alertando para os seus perigos. A tecnologia por vezes se insere nesse contexto como uma ferramenta de controle, seja por parte do Estado, instituições ou corporações. Neste contexto abordaremos as plataformas, algoritmos e dados.
Na economia digital, as plataformas não são apenas ferramentas — são verdadeiras infraestruturas sociais, que moldam nossa forma de viver, consumir, aprender e até pensar. Para que essas plataformas se tornem bem-sucedidas, elas dependem do efeito de rede: quanto mais usuários elas têm, mais atrativas e indispensáveis se tornam. Mas esse crescimento não é neutro. Ele vem acompanhado da coleta massiva de dados — muitos deles invisíveis aos olhos dos próprios usuários.
No senso comum, parece inofensivo: ao usar um app de música ou filme, recebemos sugestões personalizadas, baseadas em nossos gostos. No entanto, o que não se vê é o uso intenso de metadados — informações que não entregamos de forma consciente, como nossos padrões de navegação, localização geográfica, histórico de buscas e até dados biométricos.
A pesquisadora Afonso (2021) chama atenção para o processo de dataficação, no qual tudo passa a ser transformado em dado e tratado como recurso a ser explorado. Esse movimento, longe de ser neutro, carrega implicações éticas, políticas e econômicas profundas. Afinal, ao recolher, armazenar e processar dados pessoais, as plataformas ampliam seu poder de forma sem precedentes — muitas vezes sem qualquer tipo de controle democrático.
Educação em risco: quando o “gratuito” custa caro
A penetração das plataformas digitais em áreas essenciais, como a educação pública, escancara as contradições desse modelo. Pesquisadores vêm alertando sobre acordos firmados por secretarias de educação com grandes empresas de tecnologia, como o Google, muitas vezes sem transparência e sem avaliar os riscos à privacidade de professores e alunos.
Como destacam Guggenberger e Busch (2021), a chamada plataformização da educação está transformando não apenas o conteúdo didático, mas também os métodos pedagógicos e a gestão das instituições. A personalização algorítmica, guiada por interesses comerciais, ameaça valores públicos fundamentais — como a autonomia docente e o direito à privacidade.

Mais grave ainda é o “treinamento” de professores no uso de tecnologias proprietárias. Esse processo cria uma dependência de fornecedores estrangeiros e consolida monopólios digitais em áreas que deveriam ser públicas.
Essa lógica de exploração tem sido comparada a uma nova forma de colonialismo — agora não mais territorial, mas digital. As grandes corporações de tecnologia transformam indivíduos em matéria-prima de dados, à semelhança do que os impérios coloniais faziam com os recursos naturais e humanos nos séculos passados.
Hoje, essa colonização é global e silenciosa. As plataformas detêm os túneis e as pontes da era digital — como as ferrovias do século XIX — e controlam os caminhos pelos quais transitam a informação, a cultura e os serviços públicos. Ao fazer isso, elas não apenas dominam mercados, mas também redefinem direitos, regras e limites sociais.
O que está em jogo?
A questão não é apenas tecnológica ou mercadológica. Está em jogo a identidade algorítmica dos cidadãos, sobretudo das gerações mais jovens. Está em jogo a soberania digital, a ética pública e o próprio futuro da democracia.
Por isso, é urgente discutir o papel dessas plataformas como bens de interesse público. Precisamos de políticas de regulação que garantam transparência, controle social e soberania sobre os dados. Também é essencial investir em letramento digital crítico, para que professores, estudantes e gestores possam compreender os impactos das tecnologias que utilizam diariamente.

Se no passado a construção de estradas e ferrovias moldou o desenvolvimento econômico e social, hoje são as plataformas digitais que desenham os contornos do mundo. E cabe a nós decidir: quem deve controlar essas infraestruturas? O público ou o privado? O cidadão ou o algoritmo?
Sempre ouvimos falar que o Google, a Microsoft, a Meta concentram grande poder e podem nos manipular e nos induzir a comportamentos. No entanto soa quase como teoria da conspiração, porque as questões de fato não veem à tona e desta forma, fica muito difícil nos defendermos. O governo pouco se mobiliza e os movimentos de resistência não conseguem uma grande projeção no cenário político. Precisaríamos de uma agenda que trouxesse essas discussões para dentro das corporações e instituições públicas, pois ainda não sabemos que este assunto é do nosso interesse.
Muito instigante o viés distópico das tecnologias digitais. Por um lado, há uma crença no imaginário social acerca das tecnologias digitais enquanto ferramentas de melhoria das condições de vida e das relações sociais. Esta está fundamentada no processo histórico de desenvolvimento das técnicas e tecnologias que possibilitaram a existência da energia elétrica, motor a combustão, medicamentos e equipamentos médicos, novas formas de ensinar e aprender, encurtamento das distâncias por meio das telecomunicações e da internet. De outro, tem-se atualmente uma realidade que nos indica a existência de inúmeros efeitos deletérios oriundos da maneira como se estrutura e se organiza a criação e disseminação das novas tecnologias, que estão predominantemente embasadas na diretriz de acumulação capitalista em que o lucro é perseguido a despeito de princípios éticos de respeito a dignidade humana, proteção de dados pessoais e da intimidade e não discriminação.
Por isso, torna-se premente a reflexão crítica sobre os impactos das plataformas, algoritmos e dados no nosso cotidiano para denunciar as mazelas e iniquidades associadas a essas tecnologias e para anunciar alternativas possíveis – alicerçadas nos princípios éticos da justiça, liberdade, solidariedade, fraternidade, inclusão, autonomia, soberania, autodeterminação, e cooperação.
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