E o Direito Autoral na Educação?


No Brasil, os Direitos Autorais são regulados pela Lei nº 9610, de 1998 (Lei de Direitos Autorais – LDA). Esse normativo prevê poucas, mas algumas limitações e exceções em seu texto visando equilibrar os interesses dos autores com o acesso à educação, pesquisa, cultura e ao conhecimento, para que o uso de obras protegidas não seja considerado uma violação e seja passível de uso mesmo que protegidas e reservadas aos seus titulares.

Por exemplo, é possível usar trechos de livros ou músicas em trabalhos escolares desde que se respeite a atribuição aos autores e não se prejudique o uso comercial da obra original. Também é permitido utilizar obras que já estão em domínio público, ou seja, cujos direitos patrimoniais expiraram. Essas regras ajudam a garantir que a criação intelectual possa ser aproveitada pela sociedade de forma justa e responsável.

Contudo, nem todas as possibilidades de uso estão exemplificadas na legislação e isso pode gerar litígio no Poder Judiciário. No texto Interseções entre educação e direitos autorais (p. 183-220), de Alan Rocha de Souza e Daniel de Paula Pereira, os autores trazem vários exemplos de litígios em que a utilização de obras no contexto pedagógico e sem fins lucrativos tiveram problemas.

Ainda bem que, em 2011, o Poder Judiciário vem decidindo enfrentar a questão da interpretação das limitações e execuções, previstas na LDA, como hipóteses de caráter exemplificativo, cabendo ao poder público o ônus de verificar os casos concretos.

Essa questão me lembra uma situação recorrente em eventos que eu participava quando jovem. Na minha época de graduação, até pouco tempo depois, eu era voluntária em uma OnG chamada Sonhar Acordado e realizávamos todo final de semestre uma festa com cerca de 600 crianças carentes proporcionando-as um dia de sonho, com música, comidas, doces, brincadeiras e outras atividades.

Mas justamente por utilizarmos músicas para ambientar o evento, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) sempre nos visitava fazendo a cobrança dos encargos a título de direitos autorais pela execução das obras musicais. Sempre pagávamos, mas, lendo esse texto, me questionei se nesses casos não nos enquadraríamos na exceção por ser um evento cultural e educativo com as crianças.

IBPA 18017, Luciano Lanes / PMPA, CC BY 4.0

Nesse caso, para ter certeza sobre a legibilidade ou não da cobrança, eu precisaria recorrer ao teste dos três passos. Esse instrumento internacionalmente conhecido foi criado na Convenção de Berna e é uma regra usada para ajudar a decidir quando é permitido usar uma obra protegida por direitos autorais sem precisar da autorização do autor. Os três passos são:

  1. Uso em casos especiais;
  2. Não prejudicar os interesses dos autores e titulares da obra;
  3. Não prejudicar a exploração normal da obra.

No caso do evento que fazíamos pode ser que nos enquadraríamos nesse caso, pois era um evento festivo, cultural, educativo, sem fins lucrativos, que não tinha interesse em prejudicar os interesses de autores e titulares das músicas, muito menos sua exploração comercial. Mas isso aconteceu antes do entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2011, e não havia motivo para litígio, talvez até desconhecimento.

O que eu quero dizer é que a educação e o direito autoral são direitos fundamentais previstos na nossa Constituição Federal, de 1988 (art. 5º), e essas normas devem ser harmonizadas e compatibilizadas para que os diretos possam ser dispostos sem prejuízo a nenhuma das partes, nem ao titular da obra e nem a sociedade.

As atividades pedagógicas perpassam os direitos autorais, seja na elaboração de uma aula, seja na utilização de recursos diversos, tanto na educação presencial como na educação a distância. E os profissionais da educação devem estar preparados para lidar com situações de conflitos entre essas normas. Assim, seria importante que a sociedade em conjunto com seus representantes políticos promovessem mais debates sobre o tema de forma a propor a atualização dessa lei para que alguns pontos possam ser esclarecidos, como, por exemplo, a definição do que são fins didáticos e o que é considerado ambiente escolar (art. 46, VI, da LDA).

Essa ação ajudaria e incentivaria os profissionais de educação a utilizarem mais recursos educativos abertos, sabendo que mesmo com as limitações e exceções aos direitos autorais, eles podem ser usados sem necessidade de autorização e remuneração quando a legislação permitir, diminuindo litígios no Poder Judiciário, lembrando sempre de dar crédito ao autor ou titular da obra, informando seu nome, título da obra e a fonte da obra, mesmo quando de domínio público.

Caso tenha dúvidas que não foram sanadas com esse texto, sugiro você acessar o Guia Direito Autoral e Educação Aberta e a Distância – Perguntas e Respostas. É um ótimo material e pode te ajudar.

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