Paula Cardoso

A velha frase de Hamlet – ser ou não ser? – para iniciar reflexão sobre as nossas escolhas enquanto docentes e a partir da cultura digital. Claro que antes da cultura digital houve um pensamento de como aprimorar as práticas pedagógicas. Mas com tantas ferramentas em mãos como podemos (ou não podemos) adicionar novas práticas ao trabalho docente?
O que realmente acontece é que através dos Recursos Educacionais Abertos (REA) a ideia de Educação Aberta foi tomando força. Não são apenas mais um grupo de ferramentas; é preciso vermos os REAs como um campo político e uma nova forma de consciência que pode ser abraçada e utilizada pelos docentes.
As Práticas Educacionais Abertas evoluiram com as tecnologias de seu tempo, principalmente a partir da década de 90, conforme foi crescendo a utilização da internet. O digital não apenas facilitou o acesso aos materiais, como também ampliou as possibilidades de criação, adaptação e compartilhamento.
É nesse contexto que o clássico questionamento de Hamlet — “ser ou não ser?” — me leva a refletir sobre o paradoxo que envolve os REAs, as PEAs e a resistência ou abertura diante das tecnologias educacionais. Essa indagação existencial conecta-se diretamente à proposta apresentada por Janet Murray no livro Hamlet no Holodeck: O Futuro da Narrativa no Ciberespaço. A autora transforma Hamlet em símbolo: um personagem que representa a si mesmo enquanto ficção, mas que também encarna o próprio campo narrativo e literário em transformação.
Enquanto isso, o holodeck — sistema fictício e imersivo da série Star Trek — torna-se metáfora do ciberespaço: um lugar de interação, compartilhamento e imersão, onde o leitor pode tornar-se coautor e participante da narrativa. Assim como o holodeck rompe os limites da ficção linear, os REAs e as PEAs rompem com os modelos fechados e tradicionais de ensino, abrindo caminho para novas formas de ensinar, aprender e criar em rede.
Por fim, uma das ideias mais potentes da obra de Murray — e que se entrelaça à reflexão aqui proposta — é a de que a narrativa tradicional não desaparece, mas sim se amplia, se transforma e se compartilha ao adentrar o universo digital. Da mesma forma, a Educação Aberta, ao se conectar com as tecnologias contemporâneas, não apenas reinventa as práticas pedagógicas e os recursos utilizados, mas também convida os docentes a assumirem um novo posicionamento político e criativo frente ao ensino.
A primeira vez que tive contato com a expressão Educação Aberta foi durante a escolha de uma disciplina para matrícula no primeiro semestre do mestrado. Logo após, na semana de comemoração dos 30 anos da Cátedra UNESCO, que naquele momento atribuía a temática “Educação Aberta e Tecnologias para o Bem Comum” em seu contexto de estudo, pesquisa e formação.
Durante alguns meses, apesar das leituras, levei um tempo para compreender a ideia de Educação Aberta. Entendê-la como um movimento que promove práticas educacionais que envolvem a partilha de ideias, interação, compartilhamento, criação de recursos…tudo isso em um trabalho diante da cultura digital. Mas ainda tinha em mente questionamentos sobre como o docente vai se transformando em um educador aberto a vendo também sobre a ótica de uma sobrecarga e responsabilização para o professor.

Entendi que as Práticas Educacionais Abertas (PEA), dentro do movimento da Educação Aberta, são um eixo importante para pensar o compartilhamento, para além da criação, a possibilidade de poder compartilhar ideias, materiais e também a proposta de uma mudança de pensamento docente. Vivenciei essa experiência no Ensino Superior – a de ter aulas regidas por um profissional que se mostra participante ativo no movimento da educação aberta, através do uso de REAs e também das PEAs em cada aula ministrada.
Mas quando olho para o local e espaço em que trabalho, com os anos iniciais do ensino fundamental, ainda não consigo visualizar o movimento acendendo nenhuma faísca. A relação com o espaço online, o manuseio dos dispositivos e principalmente após a pandemia e o ensino remoto como uma obrigação, deixaram os professores mais hesitantes com relação ao uso das tecnologias.
Precisamos pensar a Educação Aberta como uma prática em desenvolvimento, primeiramente de forma social, como quando o material do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) foi submetido à Legislação 415/2018, com critérios e procedimentos para a produção, recepção, avaliação e distribuição de recursos educacionais abertos ou gratuitos para a educação básica em programas e plataformas oficiais do MEC. Ou seja, é necessário uma consciência política progressista também para entender que a Educação Aberta é uma conscientização sobre conhecimento acessível.
Vejo dificuldades para que no ensino fundamental I, os professores se desvencilhem ainda dos modelos tradicionais de práticas pedagógicas. Ao mesmo tempo, é possível que estejam usando os REAs ainda que não saibam nomeá-los. Muitos já compartilham atividades entre colegas, adaptam materiais, utilizam recursos digitais e promovem a colaboração entre alunos — o que, em essência, carrega os princípios das PEAs.
A grande virada talvez não esteja apenas em dominar ferramentas ou em adotar novas tecnologias, mas em reconhecer-se como sujeito de uma prática que se transforma, se amplia e se politiza. Ser um educador aberto não exige abandonar tudo o que já se construiu, mas sim refletir criticamente sobre as possibilidades de ensinar e aprender com mais liberdade, colaboração e sentido.
Voltando a Hamlet: ser ou não ser? Talvez a pergunta que nos cabe agora seja outra — como queremos ser professores diante de um mundo cada vez mais interconectado, acessível e coletivo? A resposta não será única, nem rápida. Mas a escuta, a partilha e o compromisso com o bem comum podem nos guiar.
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